Emenda pode atrasar pagamento de precatórios de quem optar por acordo, diz OAB-SP
Por: Ana Paula Branco
Fonte: Folha de S. Paulo
A emenda que altera as regras sobre precatórios poderá atrasar o pagamento até
mesmo para credores que optarem por fechar um acordo com o governo, no
qual é preciso abrir mão de parte do valor a que têm direito, segundo alerta da
OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil – Seção São Paulo).
A entidade considera que a mudança nas regras feita pela emenda decorrente
da PEC (proposta de emenda à Constituição) recém-promulgada impacta
diretamente a capacidade dos governos de honrar os acordos.
A emenda, que já é alvo de uma ação de inconstitucionalidade da OAB no STF
(Supremo Tribunal Federal), é vista por entidades como uma nova moratória
do poder público.
Vitor Boari, presidente da Comissão de Assuntos Referentes aos Precatórios
Judiciais da OAB-SP e do Madeca (Movimento dos Advogados em Defesa dos
Credores Alimentares do Poder Público), diz que a Prefeitura de São Paulo, por
exemplo, que hoje paga precatórios de 2009 e tem um passivo de R$ 33,7
bilhões, já enfrentava dificuldades. Ele acredita que a prefeitura provavelmente
não conseguirá pagar nem os precatórios prioritários e estima impacto até para
os quase 9.000 credores que aceitaram fechar acordo em 2025 para receber, em
até um ano, o valor devido com desconto de 20% a 40%.
Rômulo Saraiva, advogado e colunista da Folha, diz que pode ser criada uma
bola de neve no país com o acúmulo de dívidas judiciais.
A Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo afirma que as mudanças da
emenda ainda estão em análise e, até o momento, não há qualquer indicativo de
impacto negativo para os acordos em precatórios em andamento.
De janeiro a agosto deste ano, cerca de 11 mil credores fecharam acordos com
o Estado de São Paulo para antecipar o pagamento, com desconto. "A liberação
dos valores, porém, é de responsabilidade dos tribunais, que gerenciam as filas
e realizam os pagamentos com os depósitos mensais feitos pelo Estado", afirma
a procuradoria.
A Prefeitura de São Paulo afirma que recebeu 8.781 propostas de acordo para
recebimento antecipado de precatórios que estão sob análise da câmara de
conciliação. A previsão, diz, é que os acordos sejam pagos no ano de 2026,
calendário que já estava previsto antes mesmo de a PEC ser promulgada.
Segundo a prefeitura paulistana, neste ano, estão sendo pagos acordos firmados
em 2024, que vão consumir cerca de R$ 2 bilhões dos recursos destinados.
O Mapa Anual dos Precatórios, divulgado pelo CNJ (Conselho Nacional de
Justiça), aponta que o Brasil encerrou 2024 com uma dívida total de R$ 310,9
bilhões em precatórios. Desse montante, R$ 242 bilhões (ou 78%) são de
responsabilidade de estados e municípios.
A emenda reduz o valor que estados e municípios são obrigados a destinar para
o pagamento dessas dívidas. No estado de São Paulo, a verba anual para
precatórios cai de R$ 8,59 bilhões para R$ 2,65 bilhões —redução de 70%. Na
prefeitura paulistana, o valor cai pela metade, para R$ 2,44 bilhões, sendo que
50% desse montante é reservado para acordos.
Os valores devidos aos credores prioritários (pessoas acima de 60 anos,
portadores de doenças graves e pessoas com deficiência) ficaram fora do limite
estabelecido pela nova emenda constitucional.
O tempo de espera na fila deve explodir, segundo a OAB. A entidade calcula
que um precatório alimentar referente ao orçamento de 2017, que seria quitado
em até dois anos pelo estado de São Paulo, pode levar mais uma década para
ser pago. Na prefeitura da capital paulista, um crédito de 2011, que tinha
previsão de quitação em até três anos, pode se arrastar por 12 anos, afirma.
Eduardo Gouvêa, fundador e presidente do Conselho Deliberativo da Droom
Investimentos, diz que os percentuais de pagamento estabelecidos pela PEC
são inferiores à própria correção da dívida já existente, o que, somado à inclusão
de novos precatórios a cada ano, fará o passivo crescer continuamente.
"Um estudo do Fórum Nacional de Precatórios, do CNJ, mostrou que 95% dos
estados e municípios ficariam quites com seus precatórios até 2029. Agora [os
parlamentares] estão criando um problema para 100%", afirma Gouvêa.
A CNM (Confederação Nacional dos Municípios), que negociou a proposta,
defende a medida, afirmando que ela equaciona o pagamento e ajuda os
municípios a lidar com uma bomba fiscal. O governo federal também se
beneficia da emenda, que garante um gasto extra de R$ 12,4 bilhões em 2026,
ano eleitoral, ao retirar as despesas de precatórios do teto de gastos.
Antes da emenda, o desconto máximo em acordos era de 40% do valor do
precatório. Agora, não há mais teto, o que abre espaço para propostas de
pagamento por valores simbólicos.
Também há mudança na correção monetária. Até então feita pela Selic, a
atualização do valor devido passa a ser feita pelo IPCA (inflação oficial)
acrescido de 2% de juros anuais. Simulações da Comissão Especial de
Precatórios da OAB-SP indicam que a alteração pode representar perda de até
30% no poder de compra dos valores a receber.
"É uma anomalia financeira", diz Boari. Segundo ele, a correção anual cairá de
cerca de 15% para 7%, em média.
O IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário) afirma que a incerteza
jurídica e a postergação indefinida abre espaço para o mercado secundário de
precatórios, no qual, segundo a entidade, "pessoas pobres e com pouca
instrução são induzidas a assinar contratos abusivos e leoninos, renunciando a
mais de 70% dos valores devidos".
Do total, 80% dos credores são alimentares, o que inclui idosos, pessoas com
deficiência e pensionistas de baixa renda.
"A maioria das pessoas que busca a antecipação tem mais de 40 anos, com
grande presença de aposentados, pensionistas e trabalhadores em fim de
carreira. Para esse público, a espera por pagamentos que podem levar anos
representa não apenas um desafio financeiro, mas também uma corrida contra
o tempo", afirma Fernando Kalil, CEO da PJUS, empresa especializada na
antecipação de precatórios.
A OAB pede ao STF a suspensão dos novos critérios de correção ou a revisão
do prazo de pagamento. Na ação, diz que há falhas na previsão de acordos,
como a ausência de clareza sobre a origem dos recursos, a necessidade de
regulamentação pelos entes devedores e a justificativa para manter o credor
esperando mesmo após aceitar deságio.